Criar intimidade com a erupção: nem a esbórnia passiva, nem a censura moralista

Uma coisa que eu converso muito nos meus atendimentos é sobre a perspectiva da redução de danos como cuidado de si. Não é sobre um dever, o que é o certo e o errado, o que é bonito ou feio, o que deveria ou não deveria ser feito a partir de critérios externos. E sim uma escuta do corpo, uma escuta da vitalidade, um reconhecimento dos desejos e a implicação com as escolhas e suas consequências. 

Em geral, caímos em dois tipos de moralismo e de passividade. Ou a gente cai na passividade da censura, da obrigação, do dever, do “pode” ou “não pode” agir de um certo jeito – a velha lógica do controle, da repressão. Ou a gente cai numa outra forma de passividade, que supostamente é menos moralista, que é ser levada pela multidão, dentro de um script do que é se divertir – a forma socialmente aceita de transbordar. É o excesso – que se traduz como diversas formas de abuso – ou a proibição, a privação. Tudo ou nada. E vamos de um pólo a outro sem autonomia em nenhum desses lados. 

Penso que o cuidado de si não é oposto ao transbordamento. Cuidar da vitalidade é também cuidar das intensidades, fazer amizade com o magma, com a erupção. Envolve, inclusive, viver o extrapolamento, se levar ao limite para conhecer os limites, produzir um conhecimento sobre os limiares vivos, moventes. A diferença não está numa quantidade pré-fixada, mas como nos posicionamos diante dessas forças. 

Estamos na esbórnia porque disseram que é assim que se diverte? Ou porque queremos experimentar intensidades, viver o extra-ordinário? E se queremos experimentar intensidades como essa experimentação pode partir de uma escuta de si, uma escuta do corpo? É possível criar modos singulares de experimentar sem ficar à mercê de imposições homogêneas? Como cuidar para manter a chama viva sem deixar o fogo queimar em segundos e transformar tudo em cinzas? 

Sonho com uma ética vulcânica, um conhecimento das margens como produção de autonomia, força ativa para inventar encontros potentes com o corpo, as pessoas, as substâncias, os calendários, os ambientes…

Julia Francisca, Carnaval, 2024

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